Conheci Luis Eduardo Gomes do Nascimento mediante contato de um dileto amigo comum, o professor e magistrado Paulo de Tarso Duarte Menezes. Nosso amigo Paulinho, com a sensibilidade que lhe é peculiar, já no início de minha relação com Luis Eduardo, advertia-me: “esse cabra é uma cabeça pensante, em breve, terá projeção nacional”.
Curioso, passei a ler os textos do Luis Eduardo e descobri uma pujante mente criativa. Luis Eduardo tem o raro dom de projetar seu pensamento de forma original, criando novas categorias teóricas e ressignificando outras já clássicas e, por vezes, decadentes.
Nem tudo que Luis Eduardo escreve é de fácil apreensão ao leigo em filosofia, daí que foi necessária, para mim, uma revisitação a temas já adormecidos nas prateleiras da biblioteca ou mesmo a busca por novas referências, contidas na vasta leitura que Luis Eduardo deixa transparecer.
Estamos diante de um teórico marxista, que não nega (ao contrário, afirma categoricamente) que o materialismo histórico e dialético são os caminhos metodológicos que escolheu para analisar criticamente a filosofia do direito e outras áreas correlatas. Nesse prisma, Luis Eduardo produz uma análise marxista não eurocêntrica, mas de cunho marcado pelas vicissitudes de quem nasceu, cresceu e floresceu no sertão da Bahia.
A extraordinária beleza e originalidade dos conceitos de “apropriação privada da linguagem”, “hermenêutica analógica” e a forma pela qual Luis Eduardo trabalha a colonialidade do poder, não deixam qualquer dúvida de que estamos, como já dizia Paulinho, diante de um gigante que começa a assombrar e estremecer as bases da cultura jusfilosófica nacional.
Luis Eduardo tem a consciência de que sua palavra tem força e poder, que faz parte da tradição da pedagogia do oprimido. Ele produz conhecimento a partir de seu contexto com o intuito de mudá-lo, trilhando a práxis de viés marxista.
Renato Janine Ribeiro, no posfácio da edição brasileira da obra de Carlo Ginzburg, “O queijo e os vermes”, ao se referir ao herético Menocchio, escreveu que este era um mártir, um herói. E estava nesse patamar não apenas em razão de que lia muito, em circunstâncias bastante desfavoráveis, mas sobretudo porque pensava, refletia criticamente e de forma original.
Penso que tal classificação é perfeita para Luis Eduardo: um herético do sertão; um filósofo do direito que vem confrontar o saber constituído e diluído, demolindo para construir.
Não poderia finalizar estas breves linhas sem citar outro baiano brilhante que, ao escrever a letra de uma música, poeticamente definiu Luis Eduardo, baiano, sertanejo, com repasto. Trata-se de Tom Zé, com sua música “Desafio”:
“Doutor: Meus senhores, vou lhes apresentar
A figura do homem popular,
Esse tipo idiota e muquirana
É um bicho que imita a raça humana.
O homem: O doutor exagera e desatina
Pois quando o pobre tem no seu repasto
O direito a escola e proteína
O seu cérebro cresce qual um astro
E começa a nascer pra todo lado Jesus Cristo e muito
Fidel Castro
Africará mingüê e favelará mérica de verme que
deusará Iocuné Tatuapé Irará
Doutor: Veja o pobre de hoje: quer tratar
Do direito, da lei, ecologia.
É na merda que eles vão parar
Ou na peste, maleita, hidropisia.
O homem: Mas o Direito, na sua amplitude
Serve o grande e o pequeno também.
Além disso quem chega-se à virtude
E da lei se aproxima e se convém
Tá mostrando ao doutor solicitude
Por querer o que dele advém.”
Convido o leitor a pensar. Convido a academia a se olhar no espelho, criticamente e com humildade. Leiam os textos do Luis Eduardo e se transformem. Está lançado o Desafio!
Pierre Souto Maior Coutinho de Amorim
Professor de Direito Processual Penal (ASCES e Escola Judicial do TJPE)
Juiz de Direito.