Estima-se que no mundo existam mais de 45.000 barragens construídas, responsáveis pela expulsão de mais de 80 milhões de pessoas1 (MAB, 2007). No caso do rio São Francisco, foram construídas mais de uma dezena de grandes hidrelétricas, atingindo mais de 250.000 pessoas2 (MARQUES, 2008). Trata-se do rio com a maior cascata de barragens do Brasil. No Encontro dos Pescadores Artesanais do Rio São Francisco, realizado na Ilha do Fogo em Juazeiro- BA, em 2016, o Pescador Artesanal, Natanael, da Ilha da MaréBA, disse que só haveria uma solução para trazer de volta a vida do São Francisco: retirar todas as barragens que estão matando o Velho Chico! Natanael (MARQUES, 2016)
Isso nos fez lembrar duas outras falas de lideranças tradicionais da Bacia do São Francisco. O Pajé Armando, do Povo Tuxá (2007), em visita à Xingó, em 2007, disse que todo o problema do São Francisco foi que amarram o rio com cimento! Pajé Armando Tuxá (MARQUES , 2007).
Seo Raimundo, Pajé do Povo Xocó, quando realizávamos a Cartografia Social do seu Povo, disse-nos o seguinte: já tiraram o couro do rio São Francisco, agora só falta espichar! Raimundo Xocó (MARQUES, 2007).
Todas as falas sempre fazem referência aos danos causados pelas hidrelétricas ao Velho Chico - Opará, para os povos indígenas. Sempre é recorrente na memória dos grupos tradicionais a ideia de que o rio deve voltar a ser o que era antes, e isso só será possível se forem retiradas as barragens. Construídas desde 1913 (Angiquinho), todo o corpo do São Francisco fora acorrentado com paredes de concreto que, além da destruição de dezenas de cidades e da vida de milhares de pessoas, atingiu drasticamente toda a diversidade biológica que dependia do ciclo natural do São Francisco. Trata- se, como será dito no corpo do nosso livro “Barrando as Barragens”, de uma experiência incalculável, impagável e inapagável. Hoje, mesmo sendo um tipo de empreendimento extremamente caro e com um ônus ambiental impagável, o pensamento envelhecido e ecocida de grupos econômicos e do estado das frágeis democracias, como é o caso do Brasil, as barragens ainda são vendidas como parte incorporada às paisagens naturais, parecendo não ser mais possível removê-las. Assim, falas como as de Natanael, dos Pajés Armando e Manoel, parecem delírios. O fato é que eles estão mais lúcidos do que nunca! O mundo acordou para os custos ao Planeta desse tipo de empreendimento e, como vocês verão nesse livro, o desmanche de barragens é uma ação em curso em diversos lugares do globo e hoje é um movimento sem volta. O “American Rivers ”, centro de restauração de rios nos EUA, desde 1973 vem restaurando rios, resguardando mais de 150 mil milhas desses corpos d´água. Esse centro de restauração menciona a restauração de mais de 1.100 barragens nos EUA, resultando em benefícios para às águas dos rios, peixes e outras espécies, inclusive, nós humanos.
De acordo com a “Dam Removal Europe” , a partir dos levantamentos de dados referentes à Suécia, Espanha, Reino Unido, Portugal, França e Suíça, foram removidas 3.450 barragens em território europeu. Até 2008, foram removidas, somente na Espanha, 300 barragens de pequena e médio portes. Este livro quer testemunhar que a energia hidrelétrica não é limpa e que seus impactos são dramáticos para a natureza sobretudo para milhares de pessoas em todo o mundo. Esta forma de produção está em rápido processo de substituição em todo o mundo e deve se iniciar no Brasil que, conforme observamos, outras formas de produção de energia são capazes de substituir essas construções envelhecidas que foram responsáveis pela morte dos principais rios do Brasil. Por exemplo, a qualidade dos ventos no nosso país é tão boa que, sozinha, essa fonte de energia poderia abastecer todo o território nacional. Destacamos que, em novembro de 2016, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), 52% da energia consumida no Nordeste veio das eólicas. Alguém tem dúvida que o rio São Francisco voltará ao que era antes?!
Juracy Marques
Alfredo Wagner
Luciano Menezes