A Voz do Tempo

Capa de Livro: A Voz do Tempo

Este talvez seja o mais desafiador exercício a que tenha me submetido nos últimos anos, senão de toda a minha vida enquanto pesquisador: tentar organizar palavras e dar-lhes os merecidos sentidos, dedicando-as aos rabiscos e contornos para o desenho das impressões primeiras de um convite para a leitura desta obra, que se organiza sob os esforços de pesquisadores comprometidos.

Não seria difícil evidenciar o currículo individual dos acadêmicos que se empenharam para a realização deste projeto, mas percebo como de maior contributo a gratidão destes por serem agraciados quando do acesso aos conhecimentos e saberes, seja nos terreiros (in locus), ou mesmo em bibliografias disponíveis. O fato é que considero todo o empenho da equipe do Projeto Nova Cartografia Social dos Povos Tradicionais uma responsabilidade social e acadêmica que, a contento, está sendo realizada. Desta vez os esforços foram direcionados para a evidenciação de um fenômeno, dentre tantos outros que ocorrem nas religiões de matriz africana, por uns, chamado de Iroco, por outros, Tempo.

Para este prenúncio da obra pode parecer pertinente um breve acesso à memória das viagens em navios, de um continente a outro, onde sonhos, corpos e almas foram e ainda são (trans) feridos pelo poder cortante e sangrento de um ser da mesma espécie subjuga (va) e mata (va) seus semelhantes por posses. Tantas foram as caminhadas e os açoites por veredas e ambientes distintos, mas comuns a todos que, das matas, das águas, dos ares e da terra representações sagradas foram estabelecendo relações para uma nova ordem do e no Universo.

Orixás, Espíritos, Caboclos, Inkisis e Encantados fizeram e fazem da dor, da perda e até mesmo da morte, o (re)nascimento, carregando também o anonimato, as descobertas, as criações, os sonhos e os prazeres das músicas e das danças em rituais. Transformaram e continuam a transformar a repressão e a hostilidade em locomotivas mágicas, encantadas, visíveis e invisíveis que conduzem também a existência humana por trilhos misteriosos de cantos e encantos com sons de atabaques, berimbaus, tambores, palmas e vozes. Eles percorreram e ainda se movimentam nos trilhos sobre (dor)mentes, por estações que aqui no sertão também são chamados de centros, roças, terreiros, barracões, ocas, árvores e templos sagrados, dentre outros.

Não vejo risco algum embarcar nesta vagem. Aconselho que mergulhem nesta história de corpo e alma por se tratar também de confissões e relatos muito particulares desde a morada primeira na África, passando pelas margens litorâneas, adentrando nos interiores até suas moradas nos Sertões.

E é no Sertão baiano, na cidade de Juazeiro que a equipe da Nova Cartografia Social dos Povos Tradicionais ancora seus barcos às margens do São Francisco, sela seus jumentos, e, com seus apetrechos proseiam com pais e mães de santo, yalorixás, babalorixas, ogãs, ekedis, makotas, filhos e filhas de santo, enfim ouve das pessoas de candomblé, umbanda e cruzado relatos de pertencimento das e nas religiões de matriz africana.

Neste livro queremos dar Voz ao Tempo, senão escutar o sons do seus caminhos. Queremos destacar que a voz não é a palavra. A palavra é uma das manifestações da voz. O que conseguimos traduzir aqui se faz a partir da tradição oral das pessoas que vivem o cotidiano dos terreiros de candomblé e umbanda nos Sertões do nosso Brasil, dos quais, destacamos o Terreiro Bandalecongo regido pelo Tempo.

Mais especificamente, esta equipe desvenda os encantos e segredos do Orixá Tempo; localiza o Terreiro Bandalecongo no bairro Palmares I, mais conhecido como Quidé, e que tem como Yalorixá Maria da Paixão (Mãe Maria de Tempo) para que você, leitor, possa também ser parte desta narrativa.

Robson Marques

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