O Baixo São Francisco abrange uma área da Bacia Hidrográfica do São Francisco(BHSF) que se estende do Município de Paulo Afonso-BA até a sua foz, entre Alagoas e Sergipe. Trata- se de uma área altamente povoada e fortemente impactada por barragens, poluição e remoção da cobertura vegetal nativa. Alguns dos municípios inseridos neste trecho da BHSF exibem hoje um triste quadro socioeconômico, com alguns dos piores IDHs do Brasil.
Ao longo dos últimos séculos o Rio São Francisco no seu baixo trecho foi fonte de sustento para uma população bastante densa. Municípios se estabeleceram em suas margens devido à facilidade de acesso, por meio da navegação, mas também pela abundância de recursos pesqueiros. O regime de águas, com “cheias” periódicas, definia um modelo de agricultura de vazante, que movimentava parte da economia das cidades ribeirinhas, criando cidades prósperas economicamente, que se destacavam no cenário da Região Nordeste. Várzeas e lagoas marginais, ao longo de todo o Baixo São Francisco, integravam um sistema de alta produtividade, que entrou em colapso no último século.
As barragens promoveram mudanças abruptas na dinâmica das águas, alterando o regime de “cheias” e o aporte de sedimentos, comprometendo a fertilidade das lagoas marginais. Pescadores artesanais foram os mais atingidos pelas as mudanças, uma vez que a pesca foi altamente impactada. A redução da densidade de populações de peixe e a alteração de composição da ictiofauna são consequências ainda pouco documentadas na literatura acadêmica. Por esta razão o “A pesca artesanal no Baixo
São Francisco: atores, recursos, conflitos” contribui para documentar parte dessa mudança.
O livro reúne seis capítulos que tratam de múltiplos aspectos, relacionados à pesca e conflitos socioambientais nos territórios do Baixo São Francisco. É um relato atual que abrange recursos pesqueiros, artes de pesca, formas de uso e de apropriação dos espaços e recursos.
O primeiro capítulo “O canyon do rio São Francisco” faz uma introdução geral, do que é a área do canyon do rio São Francisco e as transformações registradas após a construção da barragem, que transformou o ambiente e, consequentemente, as relações de apropriação do espaço e do território pesqueiro.
O segundo capítulo “Pesca artesanal no cânion do rio São Francisco: modo de vida, desafios e percepções” descreve condições socioeconômicas dos pescadores artesanais do cânion do rio São Francisco, suas estratégias de pesca e principais espécies capturadas. Apresenta um panorama geral da pesca no cânion do rio São Francisco.
O terceiro capítulo, “Peixes, pesca e pescadores do Baixo São Francisco, Nordeste do Brasil”, reúne informações inéditas sobre a pesca, pescadores e peixes do Baixo São Francisco com dados desde Penedo até a foz, em Piaçabuçu. Os dados apresentam um panorama da pesca na área de estudo, com as principais espécies capturadas. São apresentados novos registros de espécies para a bacia do rio São Francisco, além de discutir a redução do estoque pesqueiro, o estabelecimento de espécies invasoras e a estagnação da cadeia produtiva. Outro ponto abordado e defendido neste capitulo é a necessidade da criação de novas unidades de conservação no Baixo São Francisco e de programas de manejo pesqueiro, os quais devem considerar e incorporar os conhecimentos tradicionais dos pescadores.
O quarto capítulo “Composição de peixes de riachos do reservatório Xingó”, apresenta um levantamento dos peixes de riachos que deságuam no reservatório Xingó, com dados amostrados em riachos situados ao longo das margens do canal principal do rio São Francisco, no estado da Bahia.
O capítulo cinco “Conflitos socioambientais no território pesqueiro do cânion do rio São Francisco”, trata dos conflitos ocasionados pela pluralidade de interesses no uso do espaço atual. Os conflitos socioambientais na área de estudo, que tiveram como pivô a construção da UEX(Usina Hidroelétrica de Xingó), se agravaram por fatores como a privatização das margens, a piscicultura, o turismo e a poluição. Estes aspectos são apresentados e discutidos no capitulo.
O fechamento do livro é feito pelo capítulo seis “Ecologia dos pescadores e pescadoras artesanais do baixo São Francisco”. Este capítulo faz um apanhado geral da situação atual dos pescadores e pescadoras, em consequências dos impactos ambientais. Destaca a alteração nos regimes das águas e a destruição das lagoas marginais “berçários naturais” essenciais para a sobrevivência de espécies aquáticas. Discute o território pesqueiro e aponta medidas para assegurar a atividade pesqueira artesanal.
A oportunidade da publicação deste livro é indiscutível, principalmente frente ao quadro de degradação da BHSF e da falta de políticas ambientais visando sua recuperação. O cumprimento de condicionantes ambientais relacionados ao licenciamento e a adoção de ações que visem mitigar os impactos da construção das barragens ainda são alvos distantes, enquanto os acordos firmados não saem do papel. A ampliação das políticas públicas que protejam as atividades pesqueiras e reconheçam os direitos das populações ribeirinhas fazem parte de uma luta antiga, por
legalidade e justiça. Espera-se que este livro contribua de alguma forma.
Flávia Barros de Prado Moura